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Primeira faixa, New Metal, do álbum LEGITIMATE:

Legitimate

Uma batalha se aproxima.

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Hordas invasoras remam, armas se moldam, canções de despedida beijam as faces de filhos, amantes e amigos.

Uma jornada de auto-descoberta percute sons tragicômicos, lança acordes dissonantes e termina na legitimação de um novo poder.

 

Não, não é a última temporada de uma série de TV épica. Mas é o mais recente álbum do violonista Daniel Padim, um dos expoentes do fingerstyle brasileiro e mundial.

 

O álbum Legitimate, com 12 faixas autorais inéditas, consolida o processo de amadurecimento deste artista, que expõe aqui suas influências, suas vivências e ao final, revela a si mesmo.

 

A estrutura das faixas traz um conceito muito criativo, em que cada música descreve um capítulo de uma história épica de fantasia, bem ao estilo de Senhor do Anéis ou Guerra dos Tronos. Uma verdadeira ópera violonística, dividida em 2 atos.

 

Na capa, toda desenhada à mão por Daniel Daleva, vemos Daniel Padim, de dedeira no polegar, possuindo 11 objetos flutuando sobre a palma da sua mão. A curiosidade já é atiçada e, ao abrir o encarte, percebemos que cada objeto representa uma das músicas, como um ícone de cada faixa. As ilustrações e descrições mostram uma história que será contada por meio do violão e que culminará no décimo-segundo objeto: uma árvore.

 

Ato I

Sobre uma invasão, que culmina com a derrota do Reino (sem nome).

 

A música de abertura, New Metal, uma das mais impactantes do álbum, transmite imponência com a melodia nos baixos e contracantos agudos. Uma composição polifônica que cria uma abertura envolvente e que termina abruptamente, nos deixando curiosos com o que há por vir. Esse clima de expectativa descreve, na história, a preparação para batalha, com anões forjando armas. O ícone da música: uma bigorna.

 

Segue-se uma obra-prima da fusão de estilos: Flying with White Wings, uma fantasia sobre um tema folclórico brasileiro. Não vamos revelar aqui qual o tema, pois é um dos momentos mais impactantes do álbum, quando o estilo pop do fingerstyle se encontra com algo tão brasileiro de raiz. Esta é a única faixa onde Daniel Padim usa um pedal de loop, criando uma sonoridade etérea e melancólica. Na história, o vigia do reino voa em uma criatura alada, e percebe a desolação das terras. O ícone da música: uma asa. 

 

Old Greek Roman Ship deve ser o nome mais descolado que já vimos pra uma música instrumental. Uma composição extremamente visual, que evoca imagens de guerreiros remando navios da Grécia e Roma antiga. São as hordas inimigas a invadir o Reino. Uma música tocada com arrojo, as percussões de polegar marcando o som das remadas, os acordes mostrando os grunhidos cansados, as ondas revoltas. E junto de tudo isso, uma melodia memorável. O ícone da música: um barco greco-romano.

 

Still Flying traz um clima mais pop/rock, com um riff estalado nas viradas, baixos groovados, e uma melodia chiclete que quase dá pra sair cantando. Padim toca aqui com uma pegada mais ardida, destacando muito o ataque das notas, trazendo um "snap" quase como se cada corda fosse de um arco tensionado que dispara uma flecha. A música se refere ao vigia do reino, que sobrevive ao ataque de flechas dos invasores. O icone da música: uma flecha.

 

Song for a King é uma elegia, uma canção em homenagem a alguém que morreu. No caso, o rei, que foi morto em batalha. A música começa com uma melancólica melodia sobre um pedal de baixos repetidos. Se acrescentam sonoridades etéreas, com uso de harmônicos e percussões no corpo do violão, e vai acelerando de forma a transmitir desespero. O desapego ao ritmo mostra uma realidade fraturada, como se lágrimas turvassem a percepção. O ícone da música: uma coroa.

 

Mom Sweet Home é uma pérola, uma música singela, sentimental. Utilizando a técnica de fazer uma batida de violão em 4/4 com uma melodia simultânea (muito usada por Tommy Emmanuel), ele faz uma balada que traz o aconchego do lar, mas também a dor da despedida. Representa os soldados em suas últimas refeições, se despedindo de seus lares, e tem como ícone uma lareira.  Seu final, em aberto, sem resolução, traz o final do primeiro ato.

 

 

Ato II

Sobre a jornada e consagração do personagem Bing Forrest.

 

Edge of Anonymity reinicia a história em outro local, nos limites mais distantes do reino, e é uma composição otimista e misteriosa, trazendo uma esfera de novas descobertas. Os motivos melódicos vão se encadeando, se sobrepondo, e o uso de pausas súbitas, acordes metálicos, mudanças de tonalidade, fazem a música parecer sempre fresca. Seu ícone é um cubo com uma interrogação.

 

Milongerstyle é outra experimentação com fusão de estilos, em que o fingerstyle se cruza com o ritmo da milonga, tão comum na música gaúcha brasileira, argentina e uruguaia. O ritmo da milonga é aplicado na percussão grave (que Padim realiza batendo a base da palma da mão no tampo do violão), nos harmônicos da parte B e, claro, na bastante característica linha de baixos. Bing Forrest, um grande guerreiro, vive numa terra peculiar, de música alegre e imponente. O ícone da música: um bandoneón.

 

Fearless in the Dark é outra música que utiliza o estilo de batida e melodia, e traz uma sensação de segurança e confiança serena. A calmaria antes da tempestade. O vigia do reino encontra Bing Forrest de madrugada, pede que ele ajude a salvar o reino, e ele aceita. O ícone: um lampião.

 

Clockwise é uma peça hipnotizante, que mostra todo o refinamento musical de Daniel Padim. É uma composição que se conduz em 3 linhas paralelas: os baixos fazendo um arpejo seco em staccato constante, o recheio harmônico tocado pianíssimo quase como um tremolo e uma melodia forte com notas ligadas e cantantes. Executar algo assim, onde cada um desses três elementos ocorre com uma força, articulação e intenções diferentes requer um controle muito grande de mão direita e mostra grande finesse. Além de ser um assombro técnico, é uma melodia que gruda na nossa cabeça. Na história, Bing Forrest corre contra o tempo para poder salvar o reino. O ícone: uma ampulheta.

 

Bing Forrest’s Journey descreve o caminho de Bing Forrest para encontrar um novo rei. É uma música episódica, animada, que parece mesmo contar uma aventura, passando por diversos sentimentos. O texto do CD brinca com lugares tenebrosos, principalmente para um violonista, como Rustedstring Mountains (Montanhas Cordaenferrujada) e Tonekill Forest (Floresta Matatimbre), e aqui a técnica usada é a do clássico picking, onde o polegar executa baixos alternados em pizzicato, e os demais dedos produzem a melodia e arpejos. Uma homenagem às raizes do Fingerstyle (como de Chet Atkins). O ícone: uma bota.

 

Bing Forrest Meets Meaning of Life é quando o herói encontra o fim de sua jornada e é coroado ele próprio rei. Uma peça que retrata o grau de amadurecimento interpretativo e harmônico do Daniel Padim. Claramente homenageando o Estudo 1 de Heitor Villa-Lobos, uma das peças mais consagradas do violão erudito, Daniel Padim aqui abarca seu início na base clássica e descreve sua própria história como músico, transformando a peça em algo pessoal. Os arpejos viram melodias, a constância do tempo vira liberdade rítmica. Essa transformação se traduz numa peça cativante, que respira, que move. Uma composição que se abre para a interpretação. Assim como uma árvore, Daniel Padim absorve seu ambiente, e o transforma, o domina, o torna seu.

 

 

Ao final da audição, é difícil pensar que é um trabalho de violão solo, ou que é um álbum instrumental. A impressão é termos assistido um épico com os ouvidos, passado por diversas culturas, transitado por muitos sentimentos. A técnica impressionante não é lembrada, o violão não é lembrado, o instrumentista não é lembrado, nada disso nos distrai do fato inexorável de que acabamos de ter uma experiência multi-sensorial, a música ultrapassando limites, o que faz de Daniel Padim um legítimo artista.

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Por Samuel Huh

www.guitanda.com

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